Crescimento acelerado desafia Gramado

Congestionamentos dentro da cidade é um dos problemas que têm se agravado e tende a afastar turistas Uma difícil equação começa a colocar em xeque a cidade símbolo do turismo no Estado. Economicamente, Gramado exibe um impressionante crescimento que parece não ter limite. Novos empreendimentos são anunciados a todo instante, especialmente na rede hoteleira. De 2018 para cá, de acordo com a secretaria de Turismo do município, foram abertos entre 10 e 12 novos hotéis. O mais recente deles, por exemplo, o Gramado Termas Resort & Spa, fez sua estreia no início de julho – estava soft opening (espécie de pré-lançamento) desde fevereiro – e agregou mais 300 leitos, de alta categoria, à rede de hospedagem. No embalo de tanta expansão, porém, nos últimos anos, a cidade começou a exibir também as “dores do crescimento”, o que exigiu da atual administração apresentar, neste ano, um novo plano de urbanização e desenvolvimento, que deve ser avaliado pela Câmara de Vereadores a partir de agosto. Vale lembrar que, há apenas cinco anos, a cidade já havia alterado seu plano diretor em função dessa expansão. Um ano antes, em 2013, a pedido do próprio Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região das Hortênsias, a prefeitura suspendeu temporariamente protocolos, análises e aprovações de projetos de hotéis em Gramado. Na época, os hoteleiros da cidade argumentavam que a taxa média de ocupação anual de 42% era incongruente com o grande número de empreendimentos que ainda estavam previstos. Na época, havia 11,5 mil leitos na cidade e 25 projetos de novos hotéis e pousadas em tramitação. Hoje, de acordo com secretário de Turismo, José Carlos Almeida, a cidade conta com a oferta de 27 mil leitos em cerca de 200 hotéis. Ou seja, em pouco mais de cinco anos, a expansão na quantidade de leitos foi próxima de 130%. O volume de turistas, porém, não tem registrado incremento significativo, admite Almeida, ficando estável em 6,5 milhões de pessoas ao ano, em média. Essas “dores do crescimento” incluem congestionamento no trânsito, além de problemas para abastecimento de água e saneamento. Em novembro de 2018, com o Natal Luz em pleno andamento, a prefeitura chegou a decretar estado de calamidade pública devido a irregularidades no abastecimento feito pela Corsan. Na época, a companhia afirmou que o entrave estava relacionado ao aumento no número de pessoas que circulam na cidade na alta temporada e durante os grandes eventos. “Esse aumento desordenado da hotelaria, somado a imóveis que se tornam hospedagem para locação por temporada, criou uma superoferta na região, e a falta de planejamento que, de um modo geral, está levando as cidades de Gramado e Canela, que são cidades unidas, praticamente, a entrarem em um colapso em vários pontos”, alerta Mauro Salles, Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região das Hortênsias. Os problemas no abastecimento ocorrem, segundo Salles, há três anos e em diversos períodos do ano. No final de 2018, conta, o caso registrado foi o mais crítico. “Vários hotéis, em diferentes bairros, ficaram sem água nas duas cidades. Isso já demonstra que não houve um crescimento coordenado da região. Mas claro que não somos contra o desenvolvimento, apenas precisamos de planejamento, e o poder público está quase sempre reagindo aos problemas”, critica Salles. O desafio, resumidamente, é como organizar e planejar uma cidade de menos de 40 mil habitantes que, na alta temporada, chega a receber, em apenas um mês, 1,5 milhão de pessoas, manter o equilíbrio entre oferta e demanda e atender a toda a população local em suas necessidades básicas. No caso da impressionante expansão hoteleira, a competição ferrenha entre todos os meios de hospedagem estaria levando à prática de preços cada vez mais baixos, uma vez que os turistas não cresceram na mesma proporção. Essa redução de valores cobrados por diárias pode levar à queda na qualidade e até mesmo ao fechamento de pequena pousadas e hotéis, que não conseguem fazer frente à concorrência acirrada, com grandes empreendimentos fazendo fortes promoções, especialmente na média temporada. Apesar de tudo isso, até mesmo na alta temporada, o tíquete médio (gasto médio por consumidor) vem caindo. “Isso tudo é um sintoma de um mercado saturado”, assegura Salles. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Hoteleiro e Similares de Gramado, Marcionil Martins diz temer que possa ocorrer na cidade o mesmo que aconteceu, há alguns anos, em outro polo de turismo muito semelhante a Gramado. “Em Campos do Jordão foi semelhante, e houve o fechamento de empresas. Não sei de onde vem a expectativa de tanto crescimento e demanda. A não ser que o setor realmente aposte que os cassinos serão liberados no Brasil. Aí, sim, a cidade tem uma megaestrutura e mudará todo o cenário. É a única coisa que eu posso supor agora”, pondera Martins. Salles também faz alertas à expansão exagerada usando outro referencial turístico, que afugentou o turista “bom” e troca da massificação. “Foi o que aconteceu com Porto Seguro, que foi destino de luxo, atraía um perfil de público que gastava mais e, hoje, enfrenta problemas críticos. Massificou, com tíquete médio ruim”, argumenta. Trânsito deve ser a primeira frente de trabalho Plano de Mobilidade /PLANO DE MOBILIDADE Outro problema enfrentado por Gramado é quanto ao acesso, por vias de pistas simples, quase sempre sem acostamento, o que gera uma dificuldade para as pessoas chegarem à cidade. “Então como vamos gerar a oferta, trazer mais pessoas para cá com essa estrutura precária? Constantemente, há engarrafamento dentro da cidade, e não só nas estradas, o que causa um desconforto e afasta justamente o turista que mais recursos está disposto a gastar”, lamenta Mauro Salles, presidente do Sindicato da Hotelaria da Região das Hortênsias. O que acontece, diz o executivo, é que esse turista que tem mais condições acabará escolhendo outro destino, pois não está disposto a ficar preso em engarrafamentos. Para combater esse problema, a prefeitura, recentemente, começou a idealizar um novo plano urbanístico e desenvolvimento ao menos para amenizar os problemas, buscando alternativas como mudanças no trânsito, como novos acessos, criando ciclovias, interligações entre espaços e reduzindo a entrada de veículos de grande porte em algumas partes da cidade, fazendo com que as pessoas caminhem mais. Também haverá alterações de sentido em algumas vias para facilitar o trânsito de pedestres e carros, e melhoria no transporte público. O projeto ainda precisa passar pela aprovação da Câmara de Vereadores. “No papel está muito interessante. Resta saber como o governo municipal vai fazer para colocar isso em prática e em que tempo conseguirá implementar, porque já estamos atrasados. Nas duas cidades (Gramado e Canela), em fins de semana comuns, sem ser feriado e alta temporada, já enfrentamos trânsito caótico, com algumas vias paradas e turistas reclamando”, aponta Salles. A cidade, segundo o sindicato dos trabalhadores na rede hoteleira, conta com uma média de 3,5 carros por habitante, já que há muitos veículos para locação e que se soma ao dos moradores. Saneamento, habitação e oferta de água se tornaram problemas Novo reservatório foi inaugurado pela Corsan em Gramado em 2018 /CORSAN/DIVULGAÇÃO/JC O crescimento acelerado e desacompanhado de um planejamento amplo, focando também em áreas sociais, igualmente já aparecem na Região das Hortência. Hoje, ainda que a maior parte dos gestores municipais e mesmo empresários não gostem de falar no tema, há problemas relacionados em diferentes áreas que ficam longe da visão dos turistas, mas perceptíveis aos moradores. Com muitos trabalhadores atraídos pela fama de “pleno emprego” da cidade ou porque migraria temporariamente para atuar em grandes obras e decide ficar na região, aumento populacional desordenado também deixa suas marcas. Como Gramado não tem mais para onde crescer, explica Mauro Salles, presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares e Similares da Região das Hortênsias, Canela tem absorvido a maior dessa população de fora. Em reunião recente em que participou na cidade, diz Salles, um dos temas abordados foi a grilagem de terras. O que, para ele, é reflexo direto do crescimento desordenado da população que vem de fora, normalmente carente e sem estrutura. E que ainda traz consigo a família, o que vai gerar demandas em educação, saúde e outros serviços. “Esse é um problema gravíssimo. Há preocupação em fazer constantemente o crescimento, mas junto vêm problemas como esses. São questões sociais e fortes demandas, que, muitas vezes, o poder público não tem como atender e podem pôr em colapsos diferentes serviços”, alerta Salles. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Hoteleiro e Similares de Gramado, Marcionil Martins, diz que trânsito e moradia o estão levando a planejar ir embora da cidade: “Uma casa aqui, como eu quero, sairia R$ 2 milhões. Estou olhando em Tijucas (SC), consigo o mesmo padrão por R$ 400 mil”. Reflexo da expansão imobiliária, também vem dando sinais de esgotamento o saneamento básico, relatam os presidentes dos dois sindicatos. Ao detectar que vários cursos d’água apresentavam sinais de contaminações, conta Salles, o sindicato dos hotéis encomendou levantamento que revelou estar a maior parte deles extremamente poluído. “Não temos tratamento de esgoto suficiente para esse crescimento. Se planejarmos melhor, vamos ter colapsos nas estruturas das duas cidades com consequente queda na qualidade do turismo da região”, alerta o executivo. O que diz a prefeitura Procurado, o prefeito de Gramado, João Alfredo Bertolucci, o Fedoca (PDT), não se pronunciou. A secretária de Planejamento, Carmem Piazzi, respondeu questionamentos apenas por e-mail: “A sazonalidade da cidade e as demandas dos turistas trazem alguns desafios. Um deles é a mobilidade urbana. Temos estudos realizados por empresa contratada que nos mostram a real situação da cidade, permitindo que consigamos planejar soluções adequadas. O aumento significativo de pessoas de maneira diversa durante o ano é um grande desafio para o planejamento da cidade, principalmente na infraestrutura e mobilidade, que são, hoje, nossas maiores preocupações. Atualmente, quando há interesse da iniciativa privada em empreendimentos acima de 5 mil metros quadrados de área construída, solicita-se o Estudo de Impacto de Vizinhança, que deve conter uma análise detalhada de todos os impactos que o empreendimento vai causar no entorno e pesquisa de opinião pública para que a população saiba o que está sendo analisado e manifeste sua opinião. O Plano de Mobilidade Urbana e a Agenda Estratégica foram pensados exatamente para iniciar esse planejamento para melhorar a qualidade de vida do gramadense e, por consequência, dos visitantes”. – Jornal do Comércio

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